04 MAIO MARIA HELENA SAPAROLLI, POR NILZA KNECHTEL PROCOPIAK
Pode parecer estranho relacionar a obra de Maria Helena Saparolli com a pintura Operários de Tarsila do Amaral, que apresenta rostos irmanados pela forma. Esta comparação – entre o trabalho abstrato contemporâneo da escultura e a pintura figurativa modernista de 13 – que se assemelha forçada à primeira vista, ganha corpo à medida em que o olhar perscruta certas analogias descobrindo elementos básicos em comum: o paralelo entre as artistas, ambas mulheres no pleno domínio de suas linguagens expressivas, fica facilitado pela intemporalidade do trabalho de Tarsila – criadora da obra-síntese da antropofagia – e pelo tratamento particular dado pela escultura a cada um dos seus rolinhos modulares de cerâmica.
Estes, resultado de uma primeira concepção plástica elaborada, uma vez que não existem dois iguais, são utilizados como elementos constitutivos de uma construção formal maior.
Os módulos, apesar de similares, são individualizados segundo seu formato, tamanho, modo de torção. Por estas características é que são escolhidos e especialmente localizados na composição geométrica, como moléculas de um mesmo organismo.
Por conseguinte, todos são únicos, como os rostos celulares em Tarsila. Mas não são formas totalmente livres; todas obedecem planos pré-estabelecidos e tomam seu lugar numa seriação lírica ampliada concebida pela sensibilidade poética. Portanto, ordenadamente, todos os módulos se subjugam ao coletivo, cada qual em seu respectivo lugar, submissos a um poder em grande escala, aglutinados em uma forma total idealizada, que se mostra clean, limpa, organizada e sura de sua conformação.
Por outro lado, as formas estáticas de suas obras escondem uma insuspeitada riqueza dinâmica de troca de forças entre os módulos, que podem ser traduzidas em centrífugas e centrípetas, com trajetórias que sussuram seus diversos entrelaçamentos fugindo ou convergindo ao pessoal. Fica difícil escapar dos parâmetros comparativos, da similaridade entre estes elementos formais e a nossa própria vida, o mundo, seres humanos presos e livres que somos – as pessoas – todos juntos, unidos na crença de um modo completo, limpo, fluido.
Assim, cada peça se resolve em seu espaço interior – seu âmago – donde extrair cor, textura e som, e seu espaço exterior, na sua articulação com o todo.
O uno e o coletivo vêm então assinalar o aspecto fundamental da obra de Maria Helena Saparolli – a dualidade – que é encontrada praticamente em todas as esferas de sua linguagem plástica.
Conflito – diálogo, a todo – a parte, força – contenção emergem em contraste, inclusive nos materiais utilizados, nos quais o artificial se contrapõem ao complementar o natural.
A argila, nascida telúrica, adâmica, se opõem à resina sintética, que, por sua vez – proveniente de invenção manipulada de elementos que aqui estão – não deixa de ser terrestre como todos nós.
Esta simbiose de materiais, que contém um eco de sexualidade – não esquecer que o cilindro e o círculo são metáforas dos sexos – tem como resultado a criação plástica executada por método.
A Resina, que constitui a pausa para respirar necessária a cada módulo, igualmente preenche o espaço de troca recíproca com os demais componentes.
A tensão contida por ela, além de separar, permite a coesão por meio de um fluido luminoso que a todos permeia. é uma questão d forma e conteúdo – proposição básica da estética.
Além disso, a duplicidade é representada simbolicamente, mais uma vez, pela resina, material que, por ser translúcido, parece ser mais frágil, em comparação à cerâmica opaca.
Prosseguindo nas oposições, a peso da terra se situa versus a fragilidade de uma cerâmica trabalhada em altas temperaturas, sensível, musical e cantante.
Cada módulo, que tem seu tempo de elaboração respeitado pela artista, sucede vir a possuir seu tom no mundo etéreo do som, sua cor no mundo físico da forma e cantar sua melodia numa paródia que reúne solidão, união, multidão, impregnados em energias cambiantes.
Em mais um paralelo sonoro, o módulo, por sua própria natureza, soa como se fora uma música a aflorar da terra, do elemento maior de nossa própria constituição – descendentes de Adão.
Cedendo ao fascínio exercido pelo lúdico, a artista também brinca algumas vezes com as seções longitudinais e os cortes circulares dos cilindros, que se intercambiam, em outro dualismo, com a seriedade de seus padrões geométricos pré- existentes – estes sempre remetendo ao intelecto e à organização mental.
Até a intelecção da sua obra de arte contemporânea, que usa da argila como matéria prima, contribui para acentuar o seu contraste com a condição primeva ancestral, do homem primitivo ao moldar a sua cerâmica utilitária, agora transformadora em meio de expressão plástica.
Por último, ao lembrar de como as lacunas entre os módulos são preenchidas pela resina que se interpõe, temos outra síntese dualista: a trama do humano e a estrutura do divino, aqui representadas pela luz que se filtra através do translúcido para criar espaços luminosos, revelando, numa espécie de vitral, uma alma de luz.
Nilza Knechtel Procopiak – 1996